quarta-feira, novembro 10, 2010

Pequeno e modesto


Acordar e pensar: hoje. Hoje, o quê? Levantar, fazer xixi, dar descarga, lavar as mãos, voltar para cama e pensar: hoje. Hoje, o quê? Virar para um lado, virar para o outro, olhar o horário no celular e pensar: hoje. Hoje, o quê? Puxar o ar, buscar prumo, levantar.

Vivia num completo anonimato. Ele e suas coleções de discos raros, recortes, fotografias antigas, poeira e solidão. Tinha mulher, filho e netos, mas eles todos eram bem menos importantes do que a sua coleção de memórias.

Tinha sido ensimesmado desde sempre. Aos nove anos, já ficava olhando estrelas pela janela do pequeno duplex em que a família morava. O subúrbio era um dos poucos lugares de onde era ainda possível ver o céu.

Aos 15 anos, quando a família convidava para dar uma volta, visitar parentes, tomar um banho de mar, ir à padaria, trocar um pneu furado, invariavelmente, balançava a cabeça, e isso já era o suficiente para que todos entendessem que ele não iria à parte alguma, pelo menos se assim fosse permitido.

Como não incomodava, para a família pouco importava que não tivesse o ímpeto dos meninos de sua idade - sempre tão ávidos pela rua, pelo barulho dos vendedores ambulantes e por tudo, enfim, que estivesse do lado de fora de casa.

Quando resolveu pedir em casamento a sua vizinha de bloco, até a moça estranhou, mas, como não tinha mesmo outra proposta, achou por bem aceitar e não se falou mais nisso. Os filhos nasceram, eram sadios e também não se falou muito nisso.

O quarto onde guardava suas relíquias era pequeno e modesto. Ali, colocou pequenas tábuas, que nem bem lixadas eram, e foi agrupando, por nome e data de divulgação, os discos comprados com o troco que lhe sobrava de um salário tão sem graça quanto o próprio ofício que era obrigado a manter.

Todos os dias, andava quase um quilômetro para evitar duas conduções rumo à fábrica de soda cáustica, onde trabalhava desde adolescente. Não tinha especialização, mas fazia de tudo um pouco, tão logo fosse chamado a ajudar o assistente do diretor-geral, os setoristas e mesmo os ajudantes dos ajudantes, nessa hierarquia quase sempre flexível de uma empresa familiar, que ninguém sabia ao certo para onde iria, em tempos de preocupações ambientais.

Depois do trabalho, passava regularmente em pequenos sebos desorganizados, olhando cada livro mal cuidado como um objeto de museu. Seus olhos percorriam vagarosamente todas as pequenas caixas com volumes desatualizados e sem a menor importância literária.

Dali, seguia para uma pequena sala comercial no centro da cidade, onde antigos conhecidos costumavam fazer trocas de discos e objetos encontrados em outras cidades, em restos de mudança, e em outros lugares não sabidos e mais do que ignorados.

Ao voltar para casa, os filhos já estavam meio quietos. A mulher não lhe fazia muitas perguntas e ele comia qualquer coisa que estivesse à mesa, fazendo pouca questão acerca desses assuntos ligados à saúde e à boa nutrição.

Depois, procurava um pedaço de céu e lentamente já se organizava para dormir.

Antes de pegar no sono, de maneira recorrente, pensava: dormir, e o quê?



Quarta-feira, 03 de novembro de 2010

sexta-feira, outubro 01, 2010

Comer, rezar, amar


A tradução brasileira de Comer, rezar, amar – A busca de uma mulher por todas as coisas da vida na Itália, na Índia e na Indonésia, da escritora americana Elizabeth Gilbert (Objetiva, 344 páginas, tradução: Fernanda Abreu, R$ 40) chegou em março de 2007. E se tornou um estouro de vendas. De lá para cá, fala-se em oito milhões de exemplares vendidos no País. Até agora, a obra já foi traduzida para 38 idiomas.

O livro é uma autobiografia romanceada, dividida em 108 capítulos, a semelhança das 108 contas que formam o japa mala – cordões de contas usados por indianos religiosos na repetição de mantras. Nele, a escritora conta em minúcias o período em que o seu casamento começou a desmoronar, o seu tumultuado divórcio, um romance engatilhado com um ator logo após a separação e, finalmente, a sua decisão de pedir o afastamento do trabalho para viver uma espécie de ano sabático, morando em três diferentes lugares do planeta, em cada um deles com um objetivo específico. Tendo, antes, prometido a si mesma não manter relacionamentos amorosos, até que se sentisse curada dos anteriores, afinal, segundo conta nesse seu diário íntimo – que acabou virando campeão de vendas no mundo inteiro –, desde a adolescência, novos romances se sucediam, sem intervalos, e ela nunca chegou a experimentar viver um pouco sozinha, para saber quem era e o que de fato desejava da vida.

Bem escrito, bem estruturado, e mantendo essa linha de contar ao público tudo o que pertence ao universo privado, o romance de Gilbert não tem pudor de nada. Tudo está ali dito como se a autora conversasse, em sigilo, com a sua amiga mais íntima. Bem humorada e inteligente, a autora americana fez um livro para muitos. E a obra tem uma certa magia, quem sabe influenciada pelos cantos de seu xamã da Indonésia, e faz o leitor ficar agarrado às suas páginas até chegar à última conta.

sexta-feira, setembro 10, 2010

Imanência


Era um quintal ensombrado, murado alto de pedras.

As macieiras tinham maçãs temporãs, a casca vermelha

de escuríssimo vinho, o gosto caprichado das coisas

fora do seu tempo desejadas.

Ao longo do muro eram talhas de barro.

Eu comia maçãs, bebia a melhor água, sabendo

que lá fora o mundo havia parado de calor.

Depois encontrei meu pai, que me fez festa

e não estava doente e nem tinha morrido, por isso ria,

os lábios de novo e a cara circulados de sangue,

caçava o que fazer pra gastar sua alegria:

onde está meu formão, minha vara de pescar,

cadê minha binga, meu vidro de café?

Eu sempre sonho que uma coisa gera,


nunca nada está morto.

O que não parece vivo, aduba.

O que parece estático, espera.

sexta-feira, julho 16, 2010

O escravo nos anúncios de jornais


» SOCIOLOGIA

Estudo pioneiro de Freyre ganha reedição

Fabianna Freire Pepeu

O sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987) foi um dos primeiros intelectuais a utilizar os anúncios de compra e venda e de fugas de escravos, publicados em jornais do século 19, como fontes documentais para a compreensão da realidade dos escravos africanos no Brasil. Editado pela primeira vez na década de 1960, a sua obra O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século 19, acaba de ser relançada pela Global Editora.

A obra reeditada tem 244 páginas e encarte com fotografias de escravos da coleção Carneiro de Mendonça. O livro, que teve primeiro a forma de uma conferência e foi publicado em 1934, na revista Lanterna verde, começou a ser escrito no final de 1933, após a conclusão de Casa grande & senzala, segundo conta o historiador e membro da Academia Brasileira de Letras, Alberto da Costa e Silva, responsável pela apresentação.

Segundo Costa e Silva, o destaque quanto às datas tem uma razão. Servem para “ressaltar o caráter pioneiro de Gilberto Freyre. Ainda que Joaquim Nabuco, numa página de O abolicionista, se tivesse servido dos anúncios de escravos nos jornais para atacar o regime escravista, ninguém, no Brasil, havia, até então, sobre eles se debruçado como fonte histórica. Nem no Brasil, nem, de forma persistente e metódica, nos Estados Unidos ou na Europa”, explica.

Dez mil anúncios, segundo Freyre, teriam sido reunidos em sua pesquisa, a partir de recortes retirados do Jornal do Commercio, Diario de Pernambuco, entre outros periódicos.

No caso dos anúncios de vendas de escravos, ele diz que a lógica era a mesma utilizada em outros anúncios para venda de vinho, cavalo ou de uma casa: buscava-se atrair a atenção do leitor e expor os objetivos práticos que o objeto poderia proporcionar ao seu comprador. As marcas presentes nos corpos dos escravos, relacionadas aos hábitos culturais africanos ou à violência física impetrada pelos senhores de escravos, são estudadas por Freyre, que também observa nesses anúncios as relações estabelecidas entre os escravos e os seus proprietários.

De acordo com o livro, que tem minuciosa biobibliografia de Freyre elaborada pelo historiador Edson Nery da Fonseca, variou consideravelmente a procedência de negros trazidos, como escravos, da África para o Brasil. “Essa variedade reflete-se quer na figura física dos negros descritos pelos anúncios, quer nos seus característicos de ordem etnográfica ou de natureza cultural, registrados nos mesmos anúncios: marcas de nação, penteados, barbas, xales, turbantes, tangas, vestidos”, escreve o sociólogo pernambucano.

Gilberto de Mello Freyre nasceu no Recife em março de 1900, vindo a falecer no dia 18 de julho de 1987. Foi sociólogo, antropólogo, escritor, sendo considerado um dos nomes importantes da história do Brasil. Publicou 17 livros, entre os quais Casa-grande & senzala (1933), Guia Prático, Histórico e Sentimental da Cidade do Recife (1934) e Sobrados e Mucambos (1936).

O livro pode ser encontrado na Fundação Gilberto Freyre (Rua Dois Irmãos, 320, Apipucos. Fone: 3441 1733). Preço: R$ 47.

(Publicado no Jornal do Commercio - Recife, 09/05/2010)

Cinema experimental no Brasil


» CINEMA

Rubens Machado elogia produção pernambucana

Professor da USP destaca que Estado é o único que pode rivalizar com o Rio e São Paulo e ressalta a importância do ciclo do Super 8 para a formação da nova geração de cineastas


Fabianna Freire Pepeu

“Apenas o Rio de Janeiro e São Paulo podem, nesse momento, rivalizar com o Recife. O novo cinema que vem sendo produzido em Pernambuco é um cinema que aproveita a tradição dos anos 1970. Lírio Ferreira (Baile perfumado, Árido movie, Cartola e o Homem que engarrafava nuvens) e Cláudio Assis (Amarelo manga e Baixio de bestas), por exemplo, têm essa referência. Eles têm uma formação dentro dessa estética mais experimental.” A afirmação foi feita pelo professor-doutor de Teoria e História do Cinema na Universidade de São Paulo (USP), Rubens Machado Júnior, em visita ao Recife para ministrar o curso A fome e a forma: o cinema experimental no Brasil e as coordenadas estético-formais da estética da fome, na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).

“Quando esses cineastas se aventuram, há toda uma tradição que lhes dá suporte”, diz. Rubens se refere, sobretudo, à produção cinematográfica do Ciclo do Super 8, que é o segundo momento importante do cinema pernambucano, o anterior foi o Ciclo do Recife. Entre os superoitistas, que fizeram cinema experimental na trilha do Tropicalismo, a partir dos anos 1970, ele lembra os nomes de Amin Stepple Hiluey, Celso Marconi, Fernando Spencer, Geneton Moraes Neto, Jomard Muniz de Britto e o do artista plástico Paulo Bruscky.

Ele faz, ainda, outros elogios. “O Recife tem sido uma cidade exemplar no sentido de permitir uma relação com essa tradição radical dentro das estéticas cinematográficas.” Segundo o professor da USP, que foi curador da mostra Marginália 70: o experimentalismo no Super 8 brasileiro, realizado em São Paulo, no Itaú Cultural, de 2001 a 2003, aqui é o único lugar onde se tem acesso a essas produções em Super 8. “Há acervo e ele está disponível. Sem falar que, aqui, sempre houve exibição desses filmes, o que permitiu serem conhecidos pelas novas gerações. A partir da virada dos anos 1990, a cidade vem participando da renovação do cinema brasileiro, dando sequência a uma estrutura que veio se fortalecendo desde os anos 1970”, explica.

Os elogios feitos por Rubens procedem. Não é à toa que, nesse vigoroso movimento de retomada do cinema nacional, o estado vem contribuindo fortemente nesse processo. Hoje, em Pernambuco, há pelo menos 40 filmes, entre longas e curtas-metragens, em diferentes fases de produção.

EXPERIMENTAÇÃO

O curso de cinema, ministrado por Rubens Machado desde a última segunda-feira, na sede da Fundaj do Derby, faz parte do Programa Estudos da Cultura. “O objetivo é exibir e esboçar análises de filmes brasileiros, buscando compor um quadro histórico da experimentação cinematográfica e também introduzir possibilidades de interpretação dessas obras”, explicou Rubens.

O programa do curso foi dividido em quatro tópicos: História da experimentação: do mudo ao falado, A eclosão do Cinema Novo, Tropicalismo: Cinema Novo x cinema marginal, e Cinema marginal e experimentalismo superoitista. Entre os filmes escolhidos para exibição, em paralelo à carga horária do curso, destacam-se: São Paulo, a symphonia da metrópole (1929), dos imigrantes húngaros Rudolpho Lusting e Adalberto Kemeny, Lábios sem beijos (1930), de Humberto Mauro, Limite (1930), de Mário Peixoto, Aruanda (1960), de Linduarte Noronha, Deus e o diabo na terra do sol (1964), de Glauber Rocha, Os cafajestes (1962), de Ruy Guerra, Zézero (1974), de Ozualdo Candeias, O anjo nasceu (1969), de Júlio Bressane, e A mulher de todos (1969), de Rogério Sganzerla, entre outros.

(Publicado no Jornal do Commercio - Recife, 08/05/2010)

A subjetividade do consumo


» FILOSOFIA

A febre das mudanças perpétuas

Em seu livro A felicidade paradoxal, o filósofo francês Gilles Lipovetsky questiona o mundo em que vivemos, onde o consumo dita as regras

Fabianna Freire Pepeu

As questões geradas por um modo de vida baseado no consumo têm sido abordadas por inúmeros estudiosos do mundo contemporâneo. Também é assim com o brilhante e também igualmente polêmico Gilles Lipovetsky, que é professor de Filosofia da Universidade de Grenoble, na França. Em seu livro A felicidade paradoxal (Cia. das Letras, 408 páginas, R$ 60), ele afirma que nunca na história do mundo ocidental houve tanta oportunidade como agora de satisfação das aspirações individuais pelo mercado. No entanto, a felicidade originada da satisfação imediata proporcionada pelo mundo moderno é, para ele, uma felicidade ferida, pois jamais o indivíduo contemporâneo atingiu tal grau de desamparo como agora.

Para situar o leitor, Lipovetsky divide o que chama de era do consumo em três fases: o primeiro ciclo começando por volta de 1880 e chegando ao fim com a Segunda Guerra Mundial, período em que o pequeno mercado local é substituído pelos grandes mercados nacionais, em razão do surgimento da moderna infraestrutura de transporte e comunicação. O segundo momento, a partir de 1950, teria sido marcado pela economia fordista: aumento na produção e no seu escoamento. Foi nessa segunda fase que o consumo de automóveis, televisão e aparelhos domésticos, ícones da sociedade de consumo até então, aumentou de maneira significativa. “Houve a difusão do crédito, as massas pela primeira vez têm acesso a uma demanda material mais psicologizada e mais individualista e a um modo de vida antes associado às elites”, pontua em seu livro.

É a partir dos anos 1970, segundo o autor, que começa o terceiro ciclo – a fase atual – que ele apelida de sociedade de hiperconsumo, época marcada pela subjetividade do consumo. O desejo não é de objetos úteis, mas de um algo qualquer que dê prazer e conforto, sendo o hedonismo (doutrina filosófica-moral que afirma ser o prazer o bem supremo da vida humana), o sentimento que permeia essa relação.

A aquisição de mercadorias, com a sofisticação das estruturas capitalistas, já não implica em dar suporte à existência e a sobrevivência humana. Na hipermodernidade, sustentada pelo mercado liberal e pela democracia, o hiperconsumo instaura um tempo marcado pela “aventura individualista e consumista das sociedades liberais.”

Uma outra característica da sociedade hipermoderna é a “febre da mudança perpétua”. Auxiliado por Freud que dizia que “a novidade será sempre a condição de gozo”, Lipovetsky pergunta: “Não é precisamente esse poder da novidade que constitui uma das grandes molas atrativas do consumo?” para, depois, sentenciar: “Excitação e sensações é que são vendidas”. E escreve ainda: “Uma estética do movimento incessante e das sensações fugazes comanda as práticas do hiperconsumidor.”

A todo momento, o individualismo perpassa as novas escolhas. Segundo o escritor, em outros momentos da história, existiam modos de socialização, “normas e referências coletivas que distinguiam o alto e o baixo, o bom gosto e o mau gosto, a elegância e a vulgaridade, o chique o e popular, as culturas de classe instituíam um universo claro e sólido de princípios e de regras fortemente hierarquizados e assimilados pelos sujeitos. Essa ordem hierárquica se desmantelou.”

EXPOSIÇÃO PÚBLICA

Às favas com os pudores da subjetividade. A exposição pública de aspectos historicamente ligados ao que era íntimo e privado é outro ponto importante abordado. A vida pessoal passa a ser exposta à luz do dia. E o livro cita alguns exemplos: biografias escandalosas, conversas telefônicas em público, programas televisivos nos quais os entrevistados contam suas intimidadas, promoção de celebridades insignificantes, e jogos de telerrealidade em que os feitos e os ditos cotidianos dos participantes são retransmitidos ininterruptamente ao público.

Esse mostrar tudo, dizer tudo e ver tudo é responsável pelo apelido de sociedade transparente, que, segundo Lipovetsky, vem sendo dado à sociedade de hiperconsumo, numa época em que os indivíduos parecem não ter mais nada a esconder de um público cujos assuntos preferidos são o desvendamento dos estados de espírito. “Depois do sensacionalismo das notícias e dos furos da vida política, nossa época é magnetizada pelo exibicionismo da intimidade do homem comum.”

Gilles Lipovetsky nasceu em Millau, cidade do interior da França, em 1944, e é considerado um dos mais brilhantes pensadores da atualidade. Desde a década de 1980, ele dedica-se a estudar questões ligadas ao consumo e o comportamento humano que resulta dessas relações. Tem inúmeros livros publicados no Brasil, entre os quais, A era do vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo e O império do efêmero.

(Publicado no Jornal do Commercio - Recife, 02/05/2010)

O Tango do Tanghetto

» CONCERTO


Argentinos se inspiram em Piazzolla e recriam o tango

Fabianna Freire Pepeu

Se o tango é por natureza mistura de vários ritmos, então não há de ser nada mesclá-lo, por sua vez, a uma nova série de influências musicais ou mesmo usar um controlador com bases eletrônicas e brincar com timbres, certo? Pelo sim, pelo não, quem foi ao Teatro da UFPE, no último sábado, assistir ao concerto do Tanghetto, é gente aberta a fusões e experimentos. Não foi apenas uma única vez que se ouviu gritinhos pedindo a versão da banda para Enjoy de silence, da inglesa Depeche Mode. Além do mais, a plateia era composta, em sua maioria, pelos que dançaram a New Wave.

O Tanghetto é um dos grupos argentinos da atualidade que tratou de, na carona do excelente trabalho de resgate do tango feito pelo Astor Piazzolla (1921-1992), na década de 1970 – e que muitas críticas recebeu por isso –, mostrar que essa música-dança, nascida no final do século XIX, merecia sair das fronteiras portenhas. Para isso, a banda prega a valorização das raízes do tango, que podem vir a sofrer fusões, ganhando, com isso, as graças do mundo contemporâneo, tão pouco afeito à tradição de qualquer ordem.

Apesar de o concerto ser de lançamento, no Brasil, de Más allá del sur, seu último trabalho, o que se ouviu foi um panorama do que a banda tem feito nos últimos anos. As novas Tango místico, La milonga e Zita – cuja original é uma música menos conhecida de Piazzolla – integraram o programa da noite, que trazia também canções dos discos Emigrante (2003), Hybrid tango (2004) e de El miedo a la libertad (2008). Sem falar na versão portenha para Blue Monday, do New Order, que aparece no álbum Buenos Aires remixed, lançado em 2005.

A primeira metade do espetáculo pareceu um esquente, mas, a partir dali o grupo foi num crescente, contando, inclusive, com a participação do público que, animado, acompanhou, com palmas ritmadas, a marcação das canções. Talvez um dos diferenciais da banda seja a mistura de sons realçada pela presença do erhu – instrumento musical com duas cordas, também conhecido como violino chinês – além do trabalho de sintetizadores e programação, feito por Max Masri, um dos idealizadores da banda. Na apresentação no Recife, participaram os músicos Federico Vazquez (bandoneon), bateria e percussão (Daniel Corrado) e Antonio Boyadjian (piano).

Impossível ficar imune a deliciosa sonoridade do erhu. Ela se harmoniza com a melancolia do tango tradicional, que aparece mais diluída nesse grupo que toca o que vem sendo apelidado de tango eletrônico. A plateia gostou e pediu bis, mesmo antes do concerto acabar. Na volta ao palco, o Tanghetto tocou Libertango, uma das mais famosas canções de Piazzolla, e Alexanderplatz, provavelmente criada a partir das memórias de Masri, que viveu em Berlim.

Muito legal a utilização de recursos de audiovisual – mostrados num telão no fundo do palco – para ilustrar as canções. Destaque para as imagens, possivelmente do início do século XX, de um casamento em uma área rural, no qual se dançam milongas, e para a correria das grandes cidades. Também muito bacana o material utilizado para Blue Monday. São imagens com interferências gráficas nas quais entrevemos inúmeras ruas e estações de metrô londrinas, tão inerentes à dinâmica da cidade.

(Publicado no Jornal do Commercio - Recife, 26/04/2010)

Mostra de Cinema



» MOSTRA PERNAMBUCO

Brennand estreia em longa

O administrador de empresas Marcelo Brennand pratica o que aprendeu nas escolas de cinema filmando campanha eleitoral em Gravatá

O longa do estreante Marcelo Brennand, Porta a porta – uma política em dois tempos teve o mérito de trazer à tona um tema muito pertinente: a mudança na vida dos habitantes de Gravatá, cidade de porte médio igual a tantas outras do Nordeste, que se transforma a cada campanha eleitoral, quando surgem novos postos de trabalho. As disputas apaixonadas nos bastidores da campanha também são mostradas neste documentário feito com recursos próprios, a “baixo custo”, segundo o diretor.

Com 80 minutos, o filme traz, sem cortes de edição, depoimentos de eleitores, cabos eleitorais e candidatos a vereador. Numa das entrevistas, uma senhora (não há crédito) diz que, “quando passa a política (a campanha eleitoral), fica só em casa, olhando os carros passar, porque não tem nada para fazer”. Miséria e promessas não cumpridas de campanhas passadas estão todas ali documentadas. Porta a porta tem uma série de problemas técnicos, a exemplo de entrevistas inaudíveis na primeira metade do filme. Problema corrigido depois, parcialmente, com a adição de legendas, mas, essas, por sua vez, têm erros crassos de português. Apesar desses senões, o documentário vale a pena ser visto pela riqueza do tema e por possibilitar ouvir o povo simples do Nordeste: sempre inventivo, irreverente e muito, muito engraçado.

Aos 28 anos, morando há 10 em São Paulo, Marcelo Brennand fez Administração de Empresas na Fundação Armando Alvares Penteado, onde se formou em 2005. Em São Paulo, trabalhou no HSBC, no South América Trading e na PricewaterhouseCoopers.

Há pouco mais de dois anos, foi para os Estados Unidos, onde estudou direção de cinema na Academia de Filmes de Nova Iorque e fez aulas de cinema na Universidade de Nova Iorque. Também fez direção de fotografia para Cinema na Stein Produções, uma empresa paulistana que promove oficinas de cinema digital de curtíssima duração.

Ainda na academia de cinema, começou a fazer as primeiras entrevistas em Gravatá, somando quase 50 horas de filme. “Fui decupando o material e amadurecendo o roteiro”, diz ele. A sua ideia era acompanhar os bastidores de uma campanha política que estivesse fora da mídia nacional, mas que retratasse o modo como ela ocorre no País. “Ao chegar lá, me deparei com o impacto socioeconômico que a campanha produz. Tinha a questão da empregabilidade, sem falar no engajamento. As pessoas acabam se envolvendo e, com a aproximação do pleito, quem era amigo, deixa de ser e por aí vai”, conta. Ainda segundo Marcelo Brennand, naquele contexto, a política “virou um meio de subsistência não apenas para os que trabalham, mas também para os que se candidatam.”

“A principal dificuldade que eu tive foi de montar a história para que ela resgatasse a sensação que tive quando das filmagens”, explica. Agora, Marcelo, que foi de porta em porta convidando os atores para ver o filme, viabilizando transporte até o Recife, quer mostrar o seu documentário em praça pública no interior de Pernambuco.

(Publicado no Jornal do Commercio - Recife, 27/04/2010)

Ausência em Montez Magno




» ARTES PLÁSTICAS


Pintor inaugura hoje a exposição Thânatos no Instituto de Arte Contemporânea. A mostra explora cômodos que se destacam pelo vazio

Fabianna Freire Pepeu

Foi pouco depois de concluir o livro de poemas Enquanto respiro, ainda inédito, que o artista pernambucano Montez Magno deu início a produção de oito dos nove trabalhos que compõem a Série Thânatos. A exposição será mostrada a partir de amanhã, às 19h, no Instituto de Arte Contemporânea da Universidade Federal de Pernambuco (IAC/UFPE – Rua Benfica, 157, Madalena fone: 3227 0657).

Ao observar as obras dessa série, é fácil lembrar das velozes figuras com asas associadas, na mitologia grega, a Thânatos – considerado inimigo do gênero humano, ou a própria personificação da morte.

“Tive a necessidade de um processo catártico (purificador). Era necessário liberar uma série de coisas que estavam dentro de mim, alguém que reflete sobre o tema da morte”, diz o artista, que nasceu em Timbaúba, e cuja primeira individual foi realizada, no Recife, ainda nos anos 1950.

“Há dois aspectos fundamentais presentes nessa mostra, que são a questão da catarse e, ainda, um outro elemento invisível”, explica Montez. O artista se refere à figura humana, que insinua sua presença, mas, na realidade, está ausente de todos os quadros – exceto em Só, de 1991, que foi incorporado à exposição pela similaridade temática.

Em Madame Récamier, a obra de maior dimensão da mostra, com 1,60x2,20 – sua versão para o quadro de mesmo nome do pintor francês neoclássico Jacques-Louis David –, temos apenas a lembrança de uma mulher: um lenço repousa no canapé, onde antes havia corpo e a sensualidade recatada do início dos anos 1800. Em In memoram Morandi, uma homenagem a Giorgio Morandi, também do século 19, vislumbramos um cômodo onde tudo está imaculadamente organizado, com o mesmo toque de precisão das naturezas-mortas do pintor italiano, mas, ali, também não há a figura humana. Só livros e objetos que relembram uma história de vida.

Em outro trabalho, um dos mais delicados e bonitos da série, pantufas foram deixadas próximas a uma espécie de espreguiçadeira de ferro. Dali, vê-se uma gaiola, melancolicamente vazia. Nessa obra, em pastel a óleo, os traços muito se assemelham ao risco do giz, como a falar da existência que tão facilmente se apaga.

O artista plástico e poeta Montez Magno nasceu em 1934. Já participou de quatro bienais de São Paulo. Suas obras também foram mostradas em bienais no México e em Cuba. Nos anos 1960, foi bolsista do Instituto de Cultura Hispânica. Na década de 1970, com a premiação do I Salão Global do Nordeste, estudou artes na Europa e na Argélia. Ele mora em Casa Forte, no Recife, e se considera um autodidata.

(Publicado no Jornal do Commercio - Recife, 15/04/2010)

Experiência sensível de Carlos Mélo





» EXPOSIÇÃO

Artista reúne vários temas e suportes na mostra em Boa Viagem

Fabianna Freire Pepeu

A liberdade da arte contemporânea é sem limites. Alguns artistas mergulham em profundidade nessa ideia. É o caso do pernambucano Carlos Mélo, que, atualmente, divide sua vida entre o Brasil e Portugal. No Recife, ele inaugura amanhã, às 20h, na Galeria Mariana Moura (Av. Conselheiro Aguiar, 1552, Boa Viagem), a exposição Experiência sensível. A mostra reúne fotografias em jato de tinta sobre papel algodão, medindo 1,10x1,40, e ambientadas em Sintra, desenhos realistas em grafite sobre papel com 0,40x0,50, um curioso objeto – uma impressão a lazer de uma fotografia em 3D dentro de um cubo de cristal –, e um vídeo, além de uma performance, que será realizada, na noite de abertura, pelo próprio artista em parceria com um ator.

Experiência sensível é parte do seu Projeto Experiência Sensível, o P.E.S., iniciado em 2008, quando foi contemplado com o Marcantonio Vilaça, um dos mais importantes prêmios nacionais das artes plásticas. Além de exposição itinerante e publicação de catálogo, o programa garante aos selecionados uma bolsa de trabalho para realizar um projeto, a ser acompanhado por um crítico ou curador durante um ano. A crítica escolhida para orientar o artista foi ninguém menos do que a psicanalista Suely Rolnik, que também é professora da Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), tradutora e autora de inúmeros livros e ensaios sobre subjetividade.

“Ser acompanhado por Suely foi um presente da existência. Ela mudou a geografia do meu trabalho, mostrando que o mais importante é o processo de construção artística e, ainda, evidenciando a relação do meu corpo com o espaço, esse lugar que ocupo no mundo”, diz.

Sem dúvida, foi a partir desse diálogo que a sua relação com a criação artística mudou. Começou ele inventando o que chama de “subjeto”, um tipo de objeto subjetivo. Este é o nome que o artista dá a um chapeuzinho construído a partir de um boné com uma franja de missangas semelhante ao filá – adereço de cabeça usado em cerimônias do candomblé. Com a indumentária, vai em busca da “vivência sensível”. Assim, faz o que intitula performances sem audiência, acompanhado sempre de um fotógrafo, que registra essas “caminhadas”. É depois disso que vai construir os seus objetos. Ou não. Algumas vezes, são os próprios processos que ele expõe, como no vídeo presente na exposição em Boa Viagem, que documenta um passeio seu pelo Parque da Aclimação, em São Paulo.

“Os artistas acabaram se distanciando do que é sutil na construção da obra de arte. Houve muita concessão para o mercado. O que venho fazendo é esse resgate e, agora, não me vejo mais perdendo essa conexão com o sensível”, afirma ele, e, em seguida, complementa: “Sinto-me livre para criar o que eu quiser. Mudo de assunto e de suporte nessa poética sem coerência”, sentencia esse artista nascido em Riacho das Almas, no Agreste do Estado.

Talvez sua produção não seja tão incoerente assim, pelo menos, não aos olhos de críticos, estudiosos de arte e galeristas de referência. Eduardo Brandão, por exemplo, da Galeria Vermelho, em São Paulo, já disse certa vez que, “o seu trabalho não é uma daquelas obras de sucesso imediato, algo a ser vendido na primeira crise, mas que é um tipo de trabalho que vem sendo absorvido aos poucos e que sustenta uma geração”. Se é assim, então Mélo é um artista do futuro, e de futuro, pois sua vida profissional vem sendo construída tijolo por tijolo, ano após ano.

E o que mudou desde a sua primeira exposição (Carlos Mélo – Desenhos e colagens), realizada em 1997, no Instituto de Arte Contemporânea da Universidade Federal de Pernambuco (IAC/UFPE)? “Amadureci muito profissionalmente. Mesmo considerando algumas mudanças positivas na economia, a gente sabe o quanto é difícil nesse País se afirmar como artista e, mais do que isso, dar continuidade ao próprio trabalho. Poder continuar fazendo o que gosto e acredito é o grande barato”. Falou e disse.

(Publicado no Jornal do Commercio - Recife, 14/04/2010)

A metamorfose de João Castilho


» ARTES VISUAIS

Uma transformação pessoal

O mineiro João Castilho inspirou-se na novela de Kafka para produzir 21 fotos que integram a série Metamorfose

Fabianna Freire Pepeu

Foi em A metamorfose, de Franz Kafka, que o artista mineiro João Castilho encontrou inspiração para a produção das 21 fotografias que integram a série Metamorfose, parte da exposição que inaugura hoje, às 19h, na Galeria Vicente do Rego Monteiro. A mostra encerra a edição 2009 do Projeto Trajetórias da Fundação Joaquim Nabuco.

De posse de várias traduções de uma das frases mais terríveis da literatura universal (“Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietos, Gregor Samsa deu por si transformado num gigantesco inseto.”), presente na abertura da famosa novela de Kafka, Castilho tratou de fotografar a página inicial de cada um desses livros como se se tratasse de uma paisagem. As imagens que produziu brincam com os elementos gráficos, entre os quais fontes e cor, destacando também questões como foco e textura. Na parede, a disposição das fotografias, que medem 20x30 cm, remete a um pequeno labirinto, outro tema presente na obra do escritor tcheco.

Fã de Kafka, Castilho se diz um pesquisador amador de sua obra. “Metamorfose é resultado de um trabalho desenvolvido ao longo dos últimos três anos, que começou com a coleta dessas 21 edições nacionais e portuguesas, envolvendo 17 tradutores”, diz o artista, que é graduado em jornalismo e mestrando em Artes Visuais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ao observar com atenção, a série parece propor uma reflexão acerca da transformação sofrida pelo texto durante o processo de tradução, bem como da própria fotografia como arte que traduz, traindo e transcriando. “Todo mundo olha para a mesma realidade, mas não é a mesma coisa o que se vê”, pontua.

A exposição no Recife é composta, ainda, pelos trabalhos Tempero e Abalo, ambos de 2009, e Entre rios, de 2007. Em Tempero, quatro fotografias e vídeo mostram a intervenção feita pelo artista com temperos – pimenta e açafrão – sobre um deserto de sal, na Bolívia. Ali, Castilho flerta com a pintura. No vídeo Abalo, o artista constrói repetidas vezes, no deserto do Atacama, no Chile, uma pequena torre de pedras que desaba em ruínas. “Esse trabalho tem a ver com os meus estudos sobre o tempo geológico e o tempo biológico ou social. Também remete ao trabalho de Sísifo”, explica. Por último, no vídeo Entre Rios, ele documentou a tarefa de levar objetos encontrados ao longo do rio Jequitinhonha (MG) para bairros banhados pelo Níger, que corta Bamako, capital do Mali, país africano. Feito a partir de fotografias e pequenos textos, o vídeo tem pouco mais 15 minutos de duração e é muito agradável de ver. Nele, o inusitado mineiro tenta mapear os novos usos para objetos que podem ou não encontrar alguma correspondência cultural, como uma bola de futebol. Ou um fumo de rolo, tão comum no Vale do Jequitinhonha, e que não é reconhecido por fumantes inveterados do Mali

João Castilho nasceu em Belo Horizonte, em 1978. Em 2008, seu livro de fotografia, Paisagem submersa, realizado em parceria com os fotográfos Pedro Motta e Pedro David, foi lançado pela editora Cosac Naify. A obra mostra as mudanças na vida dos moradores de sete cidades mineiras, inundadas para formar o lago de uma usina hidrelétrica. Naquele mesmo ano, ganhou o Prêmio Fundação Conrado Wessel de Arte, maior prêmio da fotografia brasileira, com o ensaio Redemunho, termo extraído de Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa.

» Galeria Vicente do Rego Monteiro (Fundaj) – Rua Henrique Dias, 609, Derby, fone: 3073-6692

(Publicado no Jornal do Commercio - Recife, 08/04/2010)



Lírica maiúscula de um poetinha



» MEMÓRIA


Há 30 anos MPB e literatura perdiam Vinicius de Moraes

Fabianna Freire Pepeu

A doçura é um sentimento fácil de associar à figura do poeta e compositor Vinicius de Moraes, cujo 30º. aniversário de morte é lembrado hoje. Não é à toa que ele era, por excelência, o autor dos diminutivos e ganhou, ele próprio, a alcunha de poetinha. Mas ele – a gente sabe – não era tão pequeno assim. Sua fama muito menos.

Inicialmente, autor de poemas mais densos e herméticos, Vinicius caminhou para uma poética mais próxima dos eventos cotidianos, com seus temas simples e corriqueiros. Depois, ele outra vez se desloca, concentrando a sua criação artística nas canções populares. É pouco provável que, mesmo neste País ainda de poucos leitores, não se conheça um ou outro trecho de poema ou canção desse que nasceu Marcus Vinitius da Cruz e Mello Moraes e que logo se apressou a buscar uma simplificação no nome, indo, ainda muito jovem, com a sua irmã Lygia, a um cartório, tendo passado a assinar apenas Vinicius de Moraes.

Apesar do alcance geral do trabalho do carioca, que nasceu no bairro da Gávea, em 1933, se conhece pouco da vasta obra que ele produziu. Tem o Soneto da fidelidade, o Soneto do amor total, A rosa de Hiroshima, De repente e vai o leitor de estrada curta por ali terminando a sua viagem.

“Fala-se muito do poeta, mas lê-se insuficientemente sua poesia. Sabemos de cor alguns de seus versos antológicos, mas não raro estancamos ali, ou, se avançamos com a atenção devida, nem sempre nos arriscamos em textos menos consagrados”, anotou o poeta e professor de literatura brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eucanaã Ferraz, na obra que escreveu sobre Vinicius para a Coleção Folha Explica, da Publifolha, em 2006. É também nesse mesmo livrinho que Eucanaã diz ser Vinicius um caso típico de artista que, ao longo do tempo, foi sendo sobreposto à própria obra.

Quatro anos depois da obra publicada, Eucanaã nos dá uma boa notícia. Por telefone, do Rio, ele diz que essa situação está mudando. “Agora, por exemplo, no vestibular unificado da rede estadual de São Paulo, o escritor é leitura obrigatória”, comemora. Segundo ele, o filme de Miguel Faria Jr. (Vinicius, 2005), que traz no elenco Camila Morgado e Caio Blat, também “tem ajudando a colocar o artista no lugar que ele merece”.

TRADIÇÃO LÍRICA

“Podemos falar num Vinicius de múltiplas facetas. Alguns poetas desenvolvem a capacidade de habitar linguagens artísticas diferentes. Ele converteu-se num poeta-músico, alguém que passou a se dividir entre a música do verbo e o verbo da música”, aponta Fábio Andrade, que é professor de Estudos Literários na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). “O que existe de mais salutar na produção poética de Vinicius é a união, em geral feliz, entre poesia e vida cotidiana, entre poesia e música popular. Na convivência com a MPB, com a música do mundo, das ruas e botecos, ele atualizou a antiga tradição lírica”.


Da influência de Rimbaud aos braços das mulheres

Vinicius de Moraes publicou seu primeiro livro de versos, O caminho para a distância, em 1933, com apenas 19 anos. Em 1933, publicou Forma e exegese, que era dedicado a Jean-Arthur Rimbaud e Jacques Rivière e que ganhou o prêmio Felipe d`Oliveira. Já no ano seguinte, sairia Ariana, a mulher. A partir dali, lançaria mais de duas dezenas de livros, entre os quais, poemas para o público infantil.

Formado em Direito, em 1943, Vinicius ingressou por concurso na carreira diplomática, tendo sido vice-cônsul do Brasil em Los Angeles, Califórnia (EUA), por quase cinco anos. Em 1967, às vésperas do AI-5, foi exonerado do Itamaraty, que dizia ser necessário o combate à corrupção, ao homossexualismo e à subversão – categoria na qual o artista foi enquadrado, sendo compulsoriamente aposentado. Em 2006, Vinicius recebeu homenagem do governo brasileiro com sua reintegração post mortem aos quadros do Ministério das Relações Exteriores.

O poetinha era conhecido pelo enorme número de amigos que possuía, entre os quais, Manuel Bandeira, Pablo Neruda, João Cabral de Melo Neto, os músicos Tom Jobim e Chico Buarque, e pela sua parceria histórica com Toquinho. Também merecem destaque a sua inveterada boêmia – sempre fotografada ao lado de um scotch –, a sua importância para a bossa nova, um dos movimentos de renovação da música brasileira, e também a sua compulsão (ou seria excesso de amor e romantismo que não se queriam desperdiçados?) pelas mulheres, tendo se casado nove vezes.

Na contramão dos conhecidos litígios, continuou tendo o amor e a amizade de algumas dessas mulheres, mesmo depois de anos de separação. Em 1978, dois anos antes de sua morte vítima de um edema pulmonar, Vinicius casaria pela última vez, com a relações públicas Gilda de Queirós Mattoso.

“Era muito bom ser casada com Vinicius pois ele distribuía amor a quem estava em volta dele. O difícil era ter que dividi-lo com a legião de pessoas que o assediavam quando saíamos para qualquer lugar”, relembra Gilda, que, aos 25 anos, deixou uma vida na Europa para se casar com o poeta dos versos: “Quem pagará o enterro e as flores, se eu me morrer de amores?”

» A hora íntima
(fragmento)

Quem pagará o enterro e as flores

Se eu me morrer de amores?

Quem, dentre amigos, tão amigo

Para estar no caixão comigo?

Quem, em meio ao funeral

Dirá de mim: — Nunca fez mal...

Quem, bêbado, chorará em voz alta

De não me ter trazido nada?

Quem virá despetalar pétalas

No meu túmulo de poeta?

Quem jogará timidamente

Na terra um grão de semente?

Quem elevará o olhar covarde

Até a estrela da tarde?

Quem me dirá palavras mágicas

Capazes de empalidecer o mármore?

Quem, oculta em véus escuros

Se crucificará nos muros?

Quem, macerada de desgosto

Sorrirá: — Rei morto, rei posto...

Quem, em seu verbo inconsútil

Há de orar: — Deus o tenha em sua guarda.

Qual o amigo que a sós consigo

Pensará: — Não há de ser nada...

Quem será a estranha figura

A um tronco de árvore encostada

Com um olhar frio e um ar de dúvida?

Quem se abraçará comigo

Que terá de ser arrancada?

Quem vai pagar o enterro e as flores

Se eu me morrer de amores?


(Publicado no Jornal do Commercio - Recife, 09/07/2010)

Foto: Arquivo Gilda Mattoso - New York, 1978

quinta-feira, julho 08, 2010

Eu mereço um lugar ao sol


MEMÓRIA

Há 20 anos, a poesia não é mais a mesma

Autor de versos ao mesmo tempo ternos e contundentes, Cazuza se foi, vítima da aids, mas deixou legado que ecoa nas novas gerações

Fabianna Freire Pepeu

“A alma lavada/ Sem ter onde secar/ Eu corro/ Eu berro/ Nem dopante me dopa/ A vida me endoida/ Eu mereço um lugar ao sol.” Tantos fragmentos similares a esses e quantos outros nos habitam? E pensar que, exatamente hoje, já se contam 20 anos desde que Cazuza foi embora, vítima de aids, aos 32 anos de idade.

Era o autor dos versos acima e de tantos outros mais ou menos complexos, pedaços de canções que perambulam o dia a dia dos que viveram aqueles movimentados anos 1980 – tempo de uma poética de insubordinação, deboche e ousadias.

Nascido Agenor de Miranda Araújo Neto, no Rio de Janeiro, em 1958, Cazuza ganhou fama por ser um roqueiro rebelde – se é que isso não se configura num pleonasmo – de personalidade supostamente polêmica e pela sua prática boêmia.

Ao lado de Frejat, seu importante parceiro musical, no Barão Vermelho, onde atuou como vocalista de 1982 a 1985, faria composições que ficariam para sempre na memória do rock nacional, a exemplo de Bete Balanço, Pro dia nascer feliz, Todo amor que houver nessa vida e Maior abandonado. Depois que resolveu sair da banda, gravou ainda cinco discos solo, entre os quais Exagerado, Ideologia e Só se for a dois, lançando sucessos como Codinome beija-flor e Só as mães são felizes e Balada de um vagabundo.

Certa vez, em entrevista ao Jornal do Commercio, o produtor musical Ezequiel Neves, que conheceu o músico em 1979, afirmou: “Quando ouvi a demo do Barão Vermelho, achei a banda maravilhosamente underground. Soube que era o Cazuza quem cantava ali, liguei pra Lucinha (Lucinha Araújo, mãe do roqueiro) e disse: “Prepare-se porque seu filho é absolutamente genial”. Nessa mesma entrevista, o produtor contou que, ao conhecer Cazuza, a empatia foi imensa. “Ficamos amigos instantaneamente”, relembrou.

Relatos semelhantes acerca de uma personalidade cativante ouviu a jornalista Tatiana Notaro, que, produziu, em 2007, para o JC, uma reportagem pelos 50 anos de nascimento do cantor e compositor carioca. “Em todos os relatos, os amigos falavam de uma pessoa verdadeiramente apaixonante. Foi muito comovente. Sandra de Sá, por exemplo, chegou a chorar ao telefone (Cazuza é padrinho do filho de Sandra, Jorge). Já Ezequiel Neves disse-me que Cazuza é a ausência mais presente na vida dele. Ele ainda é muito vivo nessas pessoas. Claro que aí há aquele simbolismo da morte, quando os defeitos são atenuados, mas falo do aspecto humano que era algo forte – muito contagiante – para aqueles que conviveram com ele. Essa lembrança acaba sendo, invariavelmente, o que sobra de cada um de nós quando morremos”, diz Tatiana.

Já a polêmica em torno do seu nome remete muito mais, na verdade, ao fato de ele ter declarado, em algumas entrevistas, a sua orientação sexual e por ter assumido que era soropositivo, num momento em que a aids era uma doença-tabu, muito mais ainda do que é hoje.

Mas para alguém com a personalidade como a de Cazuza não era possível fazer concessões: era preciso assumir e dizer tudo. Por outro lado, ele não teve apenas o seu lugar ao sol, como achava que merecia. Ele se inscreveu num certo céu nacional.

Último show foi no Recife

Foi no pavilhão do Centro de Convenções de Pernambuco, no dia 24 de janeiro de 1989, que Cazuza fez o seu último show. “Lembro que ele estava muito frágil. Falou muitos palavrões e estava bem agressivo”, conta o crítico musical José Teles, deste JC, que assistiu a despedida de Cazuza dos palcos.

“Em nenhum momento, por telefone, até mesmo quando intermediamos as entrevistas com a imprensa, deu para perceber o quanto ele estava debilitado”, recorda a jornalista Silvana Pedrosa, da Raio Lazer, empresa responsável pela vinda do artista ao Recife.

Cazuza tinha se apresentado em Fortaleza, numa sequência de cinco shows que tinha agendados numa turnê pelo Nordeste, que terminou não cumprindo totalmente.

O pavilhão estava lotado. “Ele atrasou mais de duas horas para começar o show, e entrou apoiado no palco”, conta Silvana. “A impressão que se tinha é que todos queriam se despedir dele. Todos cantavam para dar suporte e ajudar o artista e choravam ao mesmo tempo”, diz.

Na época, segunda ela, muita gente – como é de rotina em shows – levou seus LPs, na tentativa de conseguir um autógrafo. Isso também não ocorreu.

O máximo que o artista conseguiu foi fazer um esforço sobrenatural para cantar em meio a sua enorme fragilidade. Em meio ao desespero, insultou a plateia, jogou uma latinha de refrigerante de modo agressivo e disse frases desconectas. Depois, em outro momento, justificou sua agressividade. “Não queria que sentissem pena de mim”. Por isso, falava o que vinha à cabeça e responsabilizava o AZT (droga utilizada no tratamento de aids) pelas reações sem lógica aparente.

Depois daquele show, em 14 de março, foi internado com hepatite. Saiu no dia 4 de abril, seu aniversário, e passou a se locomover em cadeira de rodas. Em 7 de julho de 1990, morreu por choque séptico, causado pela doença.

(Publicado no Jornal do Commercio - Recife, 07/07/2010)

A Geografia da Violência

» EXPOSIÇÃO

A geografia da violência


Em sua individual, O auge do alôpro, o artista plástico Braz Marinho reúne objetos, esculturas, instalação e vídeo

Fabianna Freire Pepeu

O cidadão comum anda pela cidade a cumprir tarefas. Vai do ponto A ao ponto B e, dali, a um sem número de pontos: espaços no mapa. O artista não. Seu olhar penetra os aspectos cotidianos e neles encontra um mundo invisível. É assim, por exemplo, com o artista plástico Braz Marinho, que construiu a exposição O auge do alôpro (gíria que remete ao termo amalucar) a partir das chaves, correntes e cadeados utilizados diariamente pelos pequenos comerciantes do Centro do Recife.

Sua nova individual, cuja abertura ocorre hoje, às 19h, no Instituto de Arte Contemporânea da Universidade Federal de Pernambuco (IAC/UFPE – Rua Benfica, 157, Madalena. Fone: 3227-0657) é uma geografia da violência.

Objetos, esculturas, instalação e vídeo remetem a um único sentimento: o de medo. Um medo abstrato? “Não, não se trata de algo subjetivo. É medo objetivo de ser furtado, de ser roubado, de perder o que se tem, de andar pelas ruas”, explica Braz.

Tudo isso não é à toa. Em suas andanças pela Avenida Dantas Barreto, uma das principais do Centro do Recife, o artista viu banquinhos de madeira – roídos pelo tempo e de pernas já tortas – serem protegidos com longas correntes e até um velho Fusca viu ser acorrentado.

O artista então é tomado por um sentimento de extrema agonia e vai em busca da (re)construção possível de um mundo mais suave. Assim utiliza madeira, arame retorcido, aço, alumínio e tantos outros materiais densos e duros, mas a eles soma a maciez do veludo como no objeto So velvet (literalmente: tão aveludado). Mas, ali também visualizamos pedaços de aço a lembrar pontas de faca afiada maculando o tecido suave.

OBJETOS

Além de So velvet, que mede em torno de 50 cm x 50 cm, a exposição reúne seis outros objetos: Momento lúdico com band-aid, Fronteira de ex-domínio – que são três peças distintas com desenhos a partir de ferro retorcido –, Alicate e Contenidos – bloco sólido de madeira que sustenta pequenos fragmentos, também em madeira.

Entre as esculturas, destaque para as belíssimas Homem estreito (madeira com alumínio) e Cadeira para o homem estreito (madeira com inox), ambas medindo 2 m x 0,08 m, com predominância da madeira em sua composição. A aparente desproporção de medidas tem um sentido. “De tão pressionado, o homem ficou assim. Ele é estreito porque não conseguiu resolver como modificar essa situação de coisas”, diz Braz. Ah, claro...

E se tudo têm nome nessa individual do premiado artista de 48 anos – nascido em Souza, na Paraíba, e há muito tempo adotado por Pernambuco – o mais longo ficou para a instalação, que se chama Onde está a chave do armário da chave do armário das três chaves?

É quando o trágico se une ao cômico. A instalação, composta por uma infinidade de chaves de diferentes formas e tamanhos, nos fala de tudo o que está fechado e guardado. Ali perto dois pequenos armários em madeira – igualmente trancados – guardam chaves que, por sua vez, guardam um outro algo, como a lembrar dos segredos guardados a sete chaves. No chão, uma tampa de ferro, obviamente muito lacrada, protege uma bomba d’água ou uma fiação elétrica. Não sabemos ao certo o que está protegido e já nem importa. Importa saber que tudo parece em perigo e que os gatunos nos espreitam.

VIDEOARTE

É possivelmente o vídeo a peça da exposição que serve de instrumento de síntese para todas as outras. Com cinco minutos de duração (a trilha sonora é de Grilo e a fotografia de Francisco Baccaro), ele mostra uma personagem (encenada pelo próprio Braz Marinho) que, ao vivenciar inúmeras situações de violência, desenvolve um medo crônico, passando a experimentar uma situação-limite, paranoica, que tende à explosão.

Uma das cenas do vídeo, que foi ambientado em diversos cenários, foi reproduzida na sala térrea do IAC. Durante o vernissage desta noite, o artista Wolder Wallace vai fazer uma performance. O que vai ocorrer? Por enquanto, é segredo de Estado.

(Publicado no Jornal do Commercio - Recife, 30/06/2010)


sexta-feira, junho 18, 2010

Uma Prece


Tremenda é a dificuldade de... Mais tremenda, ainda, é a dúvida. Vou, então, em busca dos poetas, e eles me socorrem. Em Manuel Bandeira (1886-1968), encontro Ubiquidade: Estás em tudo que penso,/ Estás em quanto imagino:/ Estás no horizonte imenso,/ Estás no grão pequenino./ Estás na ovelha que pasce,/ Estás no rio que corre:/ Estás em tudo que nasce,/ Estás em tudo que morre. Em tudo estás, nem repousas,/ Ó ser tão imenso e diverso! (Eras no início das coisas,/ Serás no fim do universo.) Estás na alma e nos sentidos. Estás no espírito, estás/ Na letra, e, os tempos cumpridos/ No céu, no céu estarás.

Em Olavo Bilac
(1865-1918), o poema Natal: No ermo agreste, da noite e do presepe, um hino/ De esperança pressaga enchia o céu, com o vento... As árvores: “Serás o sol e o orvalho!” E o armento:/ “Terás a glória!”/ E o luar: “Vencerás o destino!” E o pão: “Darás o pão da terra e o pão divino!” E a água: “Trarás alívio ao mártir e ao sedento!”/ E a palha: “Dobrarás a cerviz do opulento!” E o teto: “Elevarás do opróbrio o pequenino!” E os reis: “Rei, no teu reino, entrarás entre palmas!” E os pastores: “Pastor, chamarás os eleitos!” E a estrela: “Brilharás, como Deus, sobre as almas!” Muda e humilde, porém, Maria, como escrava,/ Tinha os olhos na terra em lágrimas desfeitos;/ Sendo pobre, temia; e, sendo mãe, chorava.

Na Canção Quase Inquieta, de Cecília Meireles (1901–1964), leio: De um lado, a eterna estrela,/ e do outro a vaga incerta,/ meu pé dançando pela extremidade da espuma,/ e meu cabelo por uma planície de luz deserta./ Sempre assim:/ de um lado, estandartes do vento.../ - do outro, sepulcros fechados./ E eu me partindo, dentro de mim, para estar no mesmo momento de ambos os lados./ Se existe a tua Figura, se és o Sentido do Mundo, deixo-me, fujo por ti, nunca mais quero ser minha!/ (Mas, neste espelho, no fundo desta fria luz marinha, como dois baços peixes, nadam meus olhos à minha procura... /Ando contigo – e sozinha./ Vivo longe – e acham-me aqui...)/ Fazedor da minha vida, não me deixes!/ Entende a minha canção!/ Tem pena do meu murmúrio, reúne-me em tua mão!/ Que eu sou gota de mercúrio, dividida, desmanchada pelo chão...

Marcada pela angústia contemporânea, vem a Prece, de Ferreira Gullar (1930-), que me diz: Senhor!/ aceita meu desespero!/ Pois eu caminho sem ver a estrela, guia dos Reis na noite mágica. Senhor!/ me escuta!/ que eu sou aquele que não te encontra, mas não duvida de teu silêncio;/ E hoje te oferta seu desespero! Eu sou aquele que te procura para dizer-te: - Senhor, me odeio! /Pois sou aquele que nunca pôde rir sem receio.

Finalmente, em O Nascimento, um dos seus Poemas em Louvor de Jesus Cristo, Augusto Frederico Schmidt (1906 – 1965) me faz um convite: Vamos ver a Estrela! Sairemos pelas estradas, cantando,/ Sairemos de mãos dadas,/ E acordaremos as brancas e tímidas ovelhas. Iremos surpreendê-Lo,/ Pequenino e Simples./ Sua Inocência iluminará os caminhos felizes, dormindo. Vamos ver a Estrela!

Irei.


(Texto 12/2009)