sábado, agosto 19, 2006

Procura-se

De cabeça para baixo. De cabeça para cima. Para baixo. Para cima. De maneira semelhante a um exército sob o comando de Carlos Magno, o corpo tripudiado obedecia às ordens do destino. Vítima das indicações e demandas mais esdrúxulas, começou a emagrecer. Não porque a comida não lhe fizesse bem. É que sua garganta havia travado do mesmo modo que travam alguns sistemas sofisticados para evitar riscos maiores.

Reparou em tudo e não encontrou em nada, embora as prateleiras parecessem mais cheias do que nunca e as gavetas abarrotadas de uma série de objetos (inúteis!). E papéis... aos montes! Papéis em branco, com uma ou outra anotação, com números e nomes que não faziam o menor sentido.

Por certo, algo havia acontecido durante a sua longa ausência. Também quem manda visitar o outro mundo e depois voltar para ver o estrago?! Se já não há tempo para cumprir pequenas agendas rotineiramente porque os dias parecem efetivamente cada vez mais curtos, que será daqueles que se perderam do que se costuma chamar realidade?

Pelo menos, não havia se perdido de si. Percebia, sim, que o escorpião encalacrado tinha aberto muitas portas e paredes e janelas, mas, ainda assim, um certo pano de fundo dava um norte ao amontoado de fotogramas.

Todo o trabalho de contenção de um fabuloso volume d'água havia descido comportas abaixo. A conclusão era pueril: não se pode tapar o sol com uma peneira. Em lugar de ler os gregos ou os clássicos, por certo, mais serventia encontrava nos ditados populares. Alguma sabedoria não estava nos livros, mas na língua do povo, como queria Manuel Bandeira. Talvez na poética suja de verdades doídas e precisas de Ferreira Gullar.

Não, não era verdade que os livros fossem assim tão inúteis. A crise pequeno-burguesa logo passaria e tudo voltaria a ser como antes. Antes do que, mesmo? Quando nasceu, viu logo que não seria fácil não. Pouco depois, confirmou que nem as flores cresciam direito e era, sim, por conta da estiagem. Fazia um calor, mas um calor de dia e um friiiioooo de noite, que até usava pijamas de flanela e cobertor cor de rosa. Era um jeito de se proteger do que viria.

Daquele dia até a noite de hoje, milhares de anos se passaram. A vida era um amontoado de roupas esperando o ferro de passar. Uma boa lavadeira daria forma aquilo tudo. Usaria um pouco de goma, muito capricho e dobraria cada pequeno pedaço de tecido no lugar certo. Uma boa lavadeira, em geral, também é boa passadeira e guarda tudo muito direitinho. Dobra com rigor até peças íntimas. Uma boa lavadeira é essencial. Já inventaram lavadora e secadora. Essas máquinas vendem que é uma beleza no mundo inteiro.

Mas, no momento, uma máquina não há de passar à ferro minha vida. No momento, procura-se lavadeira que saiba passar e dobrar e guardar com doce rigor.












Woman Ironing (1960). T. Main.