sexta-feira, julho 16, 2010

Lírica maiúscula de um poetinha



» MEMÓRIA


Há 30 anos MPB e literatura perdiam Vinicius de Moraes

Fabianna Freire Pepeu

A doçura é um sentimento fácil de associar à figura do poeta e compositor Vinicius de Moraes, cujo 30º. aniversário de morte é lembrado hoje. Não é à toa que ele era, por excelência, o autor dos diminutivos e ganhou, ele próprio, a alcunha de poetinha. Mas ele – a gente sabe – não era tão pequeno assim. Sua fama muito menos.

Inicialmente, autor de poemas mais densos e herméticos, Vinicius caminhou para uma poética mais próxima dos eventos cotidianos, com seus temas simples e corriqueiros. Depois, ele outra vez se desloca, concentrando a sua criação artística nas canções populares. É pouco provável que, mesmo neste País ainda de poucos leitores, não se conheça um ou outro trecho de poema ou canção desse que nasceu Marcus Vinitius da Cruz e Mello Moraes e que logo se apressou a buscar uma simplificação no nome, indo, ainda muito jovem, com a sua irmã Lygia, a um cartório, tendo passado a assinar apenas Vinicius de Moraes.

Apesar do alcance geral do trabalho do carioca, que nasceu no bairro da Gávea, em 1933, se conhece pouco da vasta obra que ele produziu. Tem o Soneto da fidelidade, o Soneto do amor total, A rosa de Hiroshima, De repente e vai o leitor de estrada curta por ali terminando a sua viagem.

“Fala-se muito do poeta, mas lê-se insuficientemente sua poesia. Sabemos de cor alguns de seus versos antológicos, mas não raro estancamos ali, ou, se avançamos com a atenção devida, nem sempre nos arriscamos em textos menos consagrados”, anotou o poeta e professor de literatura brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eucanaã Ferraz, na obra que escreveu sobre Vinicius para a Coleção Folha Explica, da Publifolha, em 2006. É também nesse mesmo livrinho que Eucanaã diz ser Vinicius um caso típico de artista que, ao longo do tempo, foi sendo sobreposto à própria obra.

Quatro anos depois da obra publicada, Eucanaã nos dá uma boa notícia. Por telefone, do Rio, ele diz que essa situação está mudando. “Agora, por exemplo, no vestibular unificado da rede estadual de São Paulo, o escritor é leitura obrigatória”, comemora. Segundo ele, o filme de Miguel Faria Jr. (Vinicius, 2005), que traz no elenco Camila Morgado e Caio Blat, também “tem ajudando a colocar o artista no lugar que ele merece”.

TRADIÇÃO LÍRICA

“Podemos falar num Vinicius de múltiplas facetas. Alguns poetas desenvolvem a capacidade de habitar linguagens artísticas diferentes. Ele converteu-se num poeta-músico, alguém que passou a se dividir entre a música do verbo e o verbo da música”, aponta Fábio Andrade, que é professor de Estudos Literários na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). “O que existe de mais salutar na produção poética de Vinicius é a união, em geral feliz, entre poesia e vida cotidiana, entre poesia e música popular. Na convivência com a MPB, com a música do mundo, das ruas e botecos, ele atualizou a antiga tradição lírica”.


Da influência de Rimbaud aos braços das mulheres

Vinicius de Moraes publicou seu primeiro livro de versos, O caminho para a distância, em 1933, com apenas 19 anos. Em 1933, publicou Forma e exegese, que era dedicado a Jean-Arthur Rimbaud e Jacques Rivière e que ganhou o prêmio Felipe d`Oliveira. Já no ano seguinte, sairia Ariana, a mulher. A partir dali, lançaria mais de duas dezenas de livros, entre os quais, poemas para o público infantil.

Formado em Direito, em 1943, Vinicius ingressou por concurso na carreira diplomática, tendo sido vice-cônsul do Brasil em Los Angeles, Califórnia (EUA), por quase cinco anos. Em 1967, às vésperas do AI-5, foi exonerado do Itamaraty, que dizia ser necessário o combate à corrupção, ao homossexualismo e à subversão – categoria na qual o artista foi enquadrado, sendo compulsoriamente aposentado. Em 2006, Vinicius recebeu homenagem do governo brasileiro com sua reintegração post mortem aos quadros do Ministério das Relações Exteriores.

O poetinha era conhecido pelo enorme número de amigos que possuía, entre os quais, Manuel Bandeira, Pablo Neruda, João Cabral de Melo Neto, os músicos Tom Jobim e Chico Buarque, e pela sua parceria histórica com Toquinho. Também merecem destaque a sua inveterada boêmia – sempre fotografada ao lado de um scotch –, a sua importância para a bossa nova, um dos movimentos de renovação da música brasileira, e também a sua compulsão (ou seria excesso de amor e romantismo que não se queriam desperdiçados?) pelas mulheres, tendo se casado nove vezes.

Na contramão dos conhecidos litígios, continuou tendo o amor e a amizade de algumas dessas mulheres, mesmo depois de anos de separação. Em 1978, dois anos antes de sua morte vítima de um edema pulmonar, Vinicius casaria pela última vez, com a relações públicas Gilda de Queirós Mattoso.

“Era muito bom ser casada com Vinicius pois ele distribuía amor a quem estava em volta dele. O difícil era ter que dividi-lo com a legião de pessoas que o assediavam quando saíamos para qualquer lugar”, relembra Gilda, que, aos 25 anos, deixou uma vida na Europa para se casar com o poeta dos versos: “Quem pagará o enterro e as flores, se eu me morrer de amores?”

» A hora íntima
(fragmento)

Quem pagará o enterro e as flores

Se eu me morrer de amores?

Quem, dentre amigos, tão amigo

Para estar no caixão comigo?

Quem, em meio ao funeral

Dirá de mim: — Nunca fez mal...

Quem, bêbado, chorará em voz alta

De não me ter trazido nada?

Quem virá despetalar pétalas

No meu túmulo de poeta?

Quem jogará timidamente

Na terra um grão de semente?

Quem elevará o olhar covarde

Até a estrela da tarde?

Quem me dirá palavras mágicas

Capazes de empalidecer o mármore?

Quem, oculta em véus escuros

Se crucificará nos muros?

Quem, macerada de desgosto

Sorrirá: — Rei morto, rei posto...

Quem, em seu verbo inconsútil

Há de orar: — Deus o tenha em sua guarda.

Qual o amigo que a sós consigo

Pensará: — Não há de ser nada...

Quem será a estranha figura

A um tronco de árvore encostada

Com um olhar frio e um ar de dúvida?

Quem se abraçará comigo

Que terá de ser arrancada?

Quem vai pagar o enterro e as flores

Se eu me morrer de amores?


(Publicado no Jornal do Commercio - Recife, 09/07/2010)

Foto: Arquivo Gilda Mattoso - New York, 1978

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