sexta-feira, junho 18, 2010

Uma Prece


Tremenda é a dificuldade de... Mais tremenda, ainda, é a dúvida. Vou, então, em busca dos poetas, e eles me socorrem. Em Manuel Bandeira (1886-1968), encontro Ubiquidade: Estás em tudo que penso,/ Estás em quanto imagino:/ Estás no horizonte imenso,/ Estás no grão pequenino./ Estás na ovelha que pasce,/ Estás no rio que corre:/ Estás em tudo que nasce,/ Estás em tudo que morre. Em tudo estás, nem repousas,/ Ó ser tão imenso e diverso! (Eras no início das coisas,/ Serás no fim do universo.) Estás na alma e nos sentidos. Estás no espírito, estás/ Na letra, e, os tempos cumpridos/ No céu, no céu estarás.

Em Olavo Bilac
(1865-1918), o poema Natal: No ermo agreste, da noite e do presepe, um hino/ De esperança pressaga enchia o céu, com o vento... As árvores: “Serás o sol e o orvalho!” E o armento:/ “Terás a glória!”/ E o luar: “Vencerás o destino!” E o pão: “Darás o pão da terra e o pão divino!” E a água: “Trarás alívio ao mártir e ao sedento!”/ E a palha: “Dobrarás a cerviz do opulento!” E o teto: “Elevarás do opróbrio o pequenino!” E os reis: “Rei, no teu reino, entrarás entre palmas!” E os pastores: “Pastor, chamarás os eleitos!” E a estrela: “Brilharás, como Deus, sobre as almas!” Muda e humilde, porém, Maria, como escrava,/ Tinha os olhos na terra em lágrimas desfeitos;/ Sendo pobre, temia; e, sendo mãe, chorava.

Na Canção Quase Inquieta, de Cecília Meireles (1901–1964), leio: De um lado, a eterna estrela,/ e do outro a vaga incerta,/ meu pé dançando pela extremidade da espuma,/ e meu cabelo por uma planície de luz deserta./ Sempre assim:/ de um lado, estandartes do vento.../ - do outro, sepulcros fechados./ E eu me partindo, dentro de mim, para estar no mesmo momento de ambos os lados./ Se existe a tua Figura, se és o Sentido do Mundo, deixo-me, fujo por ti, nunca mais quero ser minha!/ (Mas, neste espelho, no fundo desta fria luz marinha, como dois baços peixes, nadam meus olhos à minha procura... /Ando contigo – e sozinha./ Vivo longe – e acham-me aqui...)/ Fazedor da minha vida, não me deixes!/ Entende a minha canção!/ Tem pena do meu murmúrio, reúne-me em tua mão!/ Que eu sou gota de mercúrio, dividida, desmanchada pelo chão...

Marcada pela angústia contemporânea, vem a Prece, de Ferreira Gullar (1930-), que me diz: Senhor!/ aceita meu desespero!/ Pois eu caminho sem ver a estrela, guia dos Reis na noite mágica. Senhor!/ me escuta!/ que eu sou aquele que não te encontra, mas não duvida de teu silêncio;/ E hoje te oferta seu desespero! Eu sou aquele que te procura para dizer-te: - Senhor, me odeio! /Pois sou aquele que nunca pôde rir sem receio.

Finalmente, em O Nascimento, um dos seus Poemas em Louvor de Jesus Cristo, Augusto Frederico Schmidt (1906 – 1965) me faz um convite: Vamos ver a Estrela! Sairemos pelas estradas, cantando,/ Sairemos de mãos dadas,/ E acordaremos as brancas e tímidas ovelhas. Iremos surpreendê-Lo,/ Pequenino e Simples./ Sua Inocência iluminará os caminhos felizes, dormindo. Vamos ver a Estrela!

Irei.


(Texto 12/2009)


Curto-circuito


Eu fervo. Tudo em mim é calor. Os abanadores não param. O ventilador de teto está ligado. O pequeno ventilador portátil também. O aparelho de ar condicionado trabalha em sua potência máxima. Nada refrigera a minha alma. Lavas escaldantes. Imploro aos Céus um refresco. Não se ouve palavra. Todas as agendas derretem. Ligações e conexões escorrem. Inspirando, expirando, inspirando, expirando. Porque a gente nunca a chega a conhecer ou tocar o que realmente importa. Frases curtas. Período simples. Lição perdida é tempo que não se recupera. Agito a bandeira e o que escuto é um insuportável silêncio de estátua. Uma sucessão de imagens parece tatuada em meu corpo branco. Não me esqueço do que gosto. Suco de laranja pela manhã. Dormir até tarde. Inúmeros copos d´água durante o dia. Sexta-feira. Suco de melancia é muito fácil de fazer. Cinema no meio da tarde. Pão. Dirigir sem destino. Feijão. Um pouco de amor. Banana ligeiramente verde não faz mal a ninguém. Livro novo. Bolacha Cream Cracker deveria ser produto proibido. Avião decolando rumo a longa viagem. Maçã nacional faz crec crec. Sigo em frente sempre olhando um pouquinho para trás. Damasco em demasia dá disenteria. Uma rima aqui. Outra acolá. As melhores ruas são as que nos levam. Olhar não custa. As cidades estão cheias de ofertas. Na Índia, é possível comprar até um rim. Afinal, quem precisa de dois? Enrola o fumo e deixa de conversa. O boi já cochilou e logo, logo, morre seco esturricado nas terras do Sul. Do outono mesmo, só distante notícia. Já o sertão, submerso. Quem sabe de mim sou eu. Chega de abraços. O homem sem perna andou a rua inteira. Equilíbrio não é questão de escolha Filho de peixe mora em aquário, lobisomem nunca descansa e, na festa que reúne várias gerações, a avó conta histórias que ninguém escuta, a mãe fala com as paredes e a filha tem o olhar paralisado na tela do computador. É o fenômeno da comunicação global. Quanta interação virtual! Delírios ocorrem todos os dias. Quase não se nota mais a diferença entre verdade e mentira. Finalmente, o mundo chega ao apogeu. Cruzes, cruzes! Um dia a casa cai e o barco vira. É possível rodar e rodar e cair ad infinitum no mesmo lugar. O processo de adaptação pode ser bem difícil para quem não é adaptável. Um plug faz melhor. Não curto o circuito. Pode esperar. Não vou voltar. Chego ao fim. Certo mesmo é que viver arde. Viver queima.


(Texto 2009)