sábado, outubro 15, 2011

Madeira I


Precisas ler um pouco: já são três horas.

Esquece a cavadeira que planta buracos onde vias árvore frondosa.

Apaga da memória as queixas.

O que é a cidade senão esse emaranhado de desejos inconciliáveis?

Precisas ler um pouco.

Ler, esquecer, apagar.

sábado, setembro 24, 2011

Os sabores sutis


Não é à toa que é o Capim-limão (Cymbopogon citratus) seja popularmente conhecido, no Nordeste do Brasil, por Capim santo. Ao beber seu chá, lembro claramente de Deus: suave e verdadeiro.

sábado, julho 23, 2011

Os nossos mortos de cada dia


Ando contra o vento na tarde clara de sábado. Meu corpo parece deslizar de maneira similar às ondas na areia. Nunca pensei que o que eu menos queria poderia ser o que eu mais precisava. Deus é alguém muito estranho. Tem razões que nos parecem por demais esdrúxulas. Lembro de todos os meus mortos, a começar pelo meu pai. Peço fervorosamente para que estejam todos em bom lugar.

Mas não estariam todos comigo a deslizar suavemente por lugares nunca dantes habitados?

domingo, julho 10, 2011

Das cortinas de fumaça


É no mais denso escuro em que me sou. É lá onde eu me retorço e também me alegro.Nesse lugar perto e muito distante, ao mesmo tempo, mora uma centena de possibilidades ou talvez mais.

É assim mesmo do jeito que estou contando. Não tenha dúvida.

Habitam esse ambiente interno centopeias e polvos incapazes de liberar nuvens de tinta para escapar de predadores. Mesmo porque no lugar mais longe em que me habito nada pode me fazer mal a não ser eu mesma.

quinta-feira, julho 07, 2011

De pais e sapatos


Se meu pai ainda estivesse por aqui, diria: que sapato arretado, hein? Ele tinha essa mania de olhar sapatos e de usar palavras que quase ninguém mais usa. Depois que o meu pai foi embora muita coisa ruim aconteceu. Acho que, mesmo sem saber, ele me guardava de algo. Ter pai é ter uma proteção. Mesmo que nem pai nem filho saibam muito bem disso.

sábado, junho 25, 2011

Da atemporalidade



Minha mãe acordou hoje com um sonho.

Estava escolhendo um presente do Dia dos Namorados para o meu pai.

O dia comercial dos namorados foi há duas semanas.

Meu pai morreu há exatos dez meses.

Eles estavam separados há mais de uma década.

Os nossos sonhos não estão nem aí para as questões temporais.

quarta-feira, junho 15, 2011

Dos mistérios incrivelmente misteriosos


E, finalmente, chega o dia em que a dor para de doer e o sapato para de apertar. Ninguém sabe exatamente como isso se dá, mas, possivelmente, trata-se de um processo lento e gradual. Sou testemunha de reviravoltas, de mudanças de lugar entre as substâncias, de incríveis rupturas.

Uma palavra aqui, um acerto de marcha ali, e já não nos parecemos com a nossa sombra.

Sei bem que há fatores supra-humanos envolvidos, mas falar disso é sempre tão difícil. Representamos hoje uma minoria espremida, acuada, à espera de um jato de fogo faminto.

terça-feira, junho 07, 2011

Das sombras do dia


Um teste após o outro e eu, cada vez, mais enredada.

Seria loucura imaginar tratar-se de uma construção?
Seria ingenuidade ter esperança?

Um teste após o outro.

E eu?

Tudo era seguido de um silêncio capaz de assombrar até os dias mais ensolarados.

quinta-feira, junho 02, 2011

Da desobediência obrigatória


Uma velocidade interna imensa e o corpo tentando acompanhar, mas em vão.

O corpo tem uma lógica própria.

Ou talvez não seja bem assim.

Talvez seja de uma outra maneira que, agora, eu não sei explicar muito bem.

Mas não é coisa complicada.

Meu pai simplesmente me proibia de falar a palavra coisa.

Era uma sensação horrível a de ter que encontrar a palavra certa porque coisa, meu pai, diz tudo.

Diz não?

quinta-feira, maio 26, 2011

De Céu a céu


Terminar hoje.

Todos os trabalhos pendentes.

Terminar hoje.

Tudo o que devia estar enterrado.

Terminar hoje.

O choro inconsolável.

Terminar hoje.

A construção do alicerce.

Terminar hoje.

A conversa sem sentido.

Terminar hoje.

O renitente desejo frustado.

Terminar hoje.

Tudo o que precisa findar.

Terminar hoje.

O trabalho dos dias.

quarta-feira, maio 25, 2011

Ventania


Rumores...

Aqui, acolá, uma notícia mais sólida.

Que se desfaz no dia seguinte.

Os olhos sempre marejados.

Um acorde ao longe e já tudo recomeça.

Cansaço.

Do dia, do pedal, das palavras inócuas, das idas e vindas.

Do que bem poderia ter sido.

Se.

terça-feira, maio 24, 2011

Hábitos de flanador


A chuva varria a rua de maneira inexorável.

Dentro do carro - oh, mais um automóvel a poluir a cidade, agora vazia... - um outro vazio de corredor.

Meus olhos quase a pular da órbita, tentando ver o impossível. Só os pingos grossos e insistentes
pareciam conter alguma realidade.

Fujo do passado engessado e não tenho onde ir. Estou só, em silêncio, entre pontes e rios.

Almejo apenas uma sombra, uma rede e uma leve brisa a remexer os meus cabelos
como um afago altruísta de algum flanêur.

quarta-feira, maio 11, 2011

Para Leminski


entre o verde que vejo e o verde que escrevo entra uma tonalidade que não almejo