sexta-feira, julho 16, 2010

A metamorfose de João Castilho


» ARTES VISUAIS

Uma transformação pessoal

O mineiro João Castilho inspirou-se na novela de Kafka para produzir 21 fotos que integram a série Metamorfose

Fabianna Freire Pepeu

Foi em A metamorfose, de Franz Kafka, que o artista mineiro João Castilho encontrou inspiração para a produção das 21 fotografias que integram a série Metamorfose, parte da exposição que inaugura hoje, às 19h, na Galeria Vicente do Rego Monteiro. A mostra encerra a edição 2009 do Projeto Trajetórias da Fundação Joaquim Nabuco.

De posse de várias traduções de uma das frases mais terríveis da literatura universal (“Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietos, Gregor Samsa deu por si transformado num gigantesco inseto.”), presente na abertura da famosa novela de Kafka, Castilho tratou de fotografar a página inicial de cada um desses livros como se se tratasse de uma paisagem. As imagens que produziu brincam com os elementos gráficos, entre os quais fontes e cor, destacando também questões como foco e textura. Na parede, a disposição das fotografias, que medem 20x30 cm, remete a um pequeno labirinto, outro tema presente na obra do escritor tcheco.

Fã de Kafka, Castilho se diz um pesquisador amador de sua obra. “Metamorfose é resultado de um trabalho desenvolvido ao longo dos últimos três anos, que começou com a coleta dessas 21 edições nacionais e portuguesas, envolvendo 17 tradutores”, diz o artista, que é graduado em jornalismo e mestrando em Artes Visuais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ao observar com atenção, a série parece propor uma reflexão acerca da transformação sofrida pelo texto durante o processo de tradução, bem como da própria fotografia como arte que traduz, traindo e transcriando. “Todo mundo olha para a mesma realidade, mas não é a mesma coisa o que se vê”, pontua.

A exposição no Recife é composta, ainda, pelos trabalhos Tempero e Abalo, ambos de 2009, e Entre rios, de 2007. Em Tempero, quatro fotografias e vídeo mostram a intervenção feita pelo artista com temperos – pimenta e açafrão – sobre um deserto de sal, na Bolívia. Ali, Castilho flerta com a pintura. No vídeo Abalo, o artista constrói repetidas vezes, no deserto do Atacama, no Chile, uma pequena torre de pedras que desaba em ruínas. “Esse trabalho tem a ver com os meus estudos sobre o tempo geológico e o tempo biológico ou social. Também remete ao trabalho de Sísifo”, explica. Por último, no vídeo Entre Rios, ele documentou a tarefa de levar objetos encontrados ao longo do rio Jequitinhonha (MG) para bairros banhados pelo Níger, que corta Bamako, capital do Mali, país africano. Feito a partir de fotografias e pequenos textos, o vídeo tem pouco mais 15 minutos de duração e é muito agradável de ver. Nele, o inusitado mineiro tenta mapear os novos usos para objetos que podem ou não encontrar alguma correspondência cultural, como uma bola de futebol. Ou um fumo de rolo, tão comum no Vale do Jequitinhonha, e que não é reconhecido por fumantes inveterados do Mali

João Castilho nasceu em Belo Horizonte, em 1978. Em 2008, seu livro de fotografia, Paisagem submersa, realizado em parceria com os fotográfos Pedro Motta e Pedro David, foi lançado pela editora Cosac Naify. A obra mostra as mudanças na vida dos moradores de sete cidades mineiras, inundadas para formar o lago de uma usina hidrelétrica. Naquele mesmo ano, ganhou o Prêmio Fundação Conrado Wessel de Arte, maior prêmio da fotografia brasileira, com o ensaio Redemunho, termo extraído de Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa.

» Galeria Vicente do Rego Monteiro (Fundaj) – Rua Henrique Dias, 609, Derby, fone: 3073-6692

(Publicado no Jornal do Commercio - Recife, 08/04/2010)



Nenhum comentário: