segunda-feira, maio 10, 2010

Vida para consumo


Lido muito mal com prazos. E com pressão também. É por isso que, por mais que eu tente, fico só enrolando, olhando o papel, tateando o teclado, buscando o que não faz a menor questão de vir à tona. Do lado de fora, um silêncio de feriado. Do lado de cá, uma palavra ou outra perdida da mulher ao telefone com seu forte sotaque estrangeiro. Brasileiro no exterior só consegue distribuir folhetos nas esquinas, fazer faxina ou ser garçom. No Brasil, ao contrário, estrangeiro é coisa fina. Colônia é colônia. E por falar em cheiros, tem coisa melhor do que um bom perfume? Eu não sabia, mas tem gente que não suporta. Se for por uma questão de saúde, alguma alergia, essas coisas, dá para entender. Agora, não gostar de perfume porque não gosta de perfume, aí, já acho que se trata de problema sério. É quase tão grave quanto falar tudo no gerúndio. Se um dia eu tiver um ataque do coração terá sido por ouvir em excesso essas moças e rapazes que trabalham para as empresas de telefonia móvel.

Até bem pouco tempo, chique era ter um telefone fixo em casa e um telefone móvel, que viajasse com você pelos quatro cantos da cidade. Agora, chique é ter um único aparelho que tem as duas funções e que, ainda, é máquina fotográfica, despertador, tocador de música e sei-lá-mais-o-quê. Também lembro da época em que era cafona, mas muito cafona, ter grandes aparelhos de televisão em casa. Chique mesmo era ter uma televisão pequena. Os anos se passaram e, agora, quanto maior, melhor, de novo. Tecnologia a serviço dos critérios de status de uma sociedade. Bem interessante essa nossa sociedade cheia de gerúndios, aparelhos de televisão gigantes e estrangeiros bem empregados, obrigada! A bem da verdade, televisão grande não. Trata-se de home-theater system. Biscoito mais fino. Iguaria já quase popular a ponto de não ser mais chique. O que é popular não é chique. Se todo mundo pode, não tem graça. Graça é ter o que os outros não podem ter. Isso torna uma pessoa muito chique. Sociedade interessante essa nossa.

Isso para não falar na linguagem. E isso vai muito além das expressões que se memoriza a partir dos programas de televisão, comerciais, e todo esse lixo a que estamos expostos. A linguagem cotidiana, além dos gerúndios utilizados pelas moças e rapazes do mundo do atendimento, dá vontade de chorar. E, aqui em Brasília, parece que a situação é mais grave. Talvez, seja a falta de umidade no cérebro. Talvez, seja algo mais complicado. O que mais me assusta é que esses hábitos são contagiosos. É comum ser surpreendido por uma bomba saindo da boca e você atônito sem acreditar que falou uma barbaridade capaz de tremer aurélios e dona Maria do Carmo.

Em por falar em brilhantes professoras de português, dessas que nenhuma tecnologia japonesa é capaz de produzir, estou em dívida. Tinha que escrever uma carta para dizer a dona Maria do Carmo que foi graças a sua presença em minha vida, naquele tempo longe do Santo Antônio, que ainda consigo articular alguns sons e produzir meia dúzia de textos, mas era preciso tê-la trazido comigo pela vida afora. Isso evitaria ferir a linguagem, os meus próprios ouvidos e os dos meus poucos leitores.


(Texto 2007/Foto 2010)

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