segunda-feira, maio 10, 2010

Pressentimento


Estudou música desde criança e, aos 21 anos, já era músico profissional. Estrangeiro fixado no Brasil, certo dia, casou e teve dois filhos. Inquieto que era, viajou por vários estados, até encontrar um lugar para viver. Sua mulher era uma destemperada, que gritava de noite e de dia quando tinha motivos e quando motivos faltavam. Assim, em certa ocasião, sem saída, resolveu dar um basta naquilo tudo, mesmo sabendo que isso não se faz sem perdas. Os filhos ainda pequenos ficaram com a mãe, precisando depois empreender grande esforço para ter a guarda dos meninos, que eram lindos de doer.

Nunca foi dado a divagações filosóficas: era homem prático, de relativo fácil trato, apegado apenas ao seu instrumento de sopro, aos filhos, aos gatos e ao cachoro, não necessariamente nessa ordem. Também tinha certo apreço por sua bicicleta. Ela o conduzia a qualquer parte da cidade, exceto em dias de chuva. Nesses dias, pegava um ônibus, considerando que a cidade em que morava era uma das poucas do País a contar com um bom sistema de transporte público.

Passados alguns anos da separação, viveu alguns romances, mas nada muito significativo. Até quem, um dia, do nada, apareceu essa mulher. Era branca, tinha cabelos claros, olhos escuros, de estatura mediana, e igualmente louca como a primeira mulher que havia tido. Mas, concordemos, possuía um tipo de loucura dessas que não faz mal a ninguém.

Não chegou de mansinho. Chegou querendo inúmeros espaços.

Embora não fosse tão atento aos sentimentos alheios, era bom observador de movimentos, e se a deixou entrar na sala e no pequeno escritório e depois em toda parte foi porque quis mesmo. Nem um só momento de distração foi registrado.

O certo é que permitiu a entrada e, depois, a estada dessa mulher em sua vida.

Os dias começaram a passar com velocidade e igualmente veloz crescia o seu sentimento pela mulher branca, espaçosa, vinda do nada. Gostava do seu cheiro, do modo como mexia os cabelos, de um certo mistério que não se explicava. Para além disso, não era necessário qualquer adequação para manter uma convivência harmoniosa. Tudo parecia fácil e suave. Finalmente, a vida tinha lhe dado algo, sem a necessidade de grande esforço.

Pouco a pouco, os dias ganharam uma nova textura. Era bom voltar para casa, conversar, rir um pouco da vida, fazer pequenas tarefas e refeições juntos e sair para passear. Não lembrava de ter experimentado nada similar em toda a sua vida e já não era mais tão jovem.

Certo dia, no entanto, ao voltar do trabalho, cruzou com um carteiro - um velho conhecido do bairro - e teve um súbito pressentimento de que algo estava por acontecer. Nunca tinha dado muita bola para essas coisas que não se explica. Achava que eram bobagens e, por cima, era quase ateu. O fato é que, naquela ocasião, movido por sentimentos mágicos apressou o passo e, depois, disparou a correr até chegar ao portão de casa.

Ao entrar, coração aos pulos, não encontrou nada do que lhe era conhecido. Seus móveis tinham desaparecido e, em lugar deles, havia outros objetos. Tudo estava muito organizado, mas era absolutamente desconhecido. Da mulher, não havia sinal, como se nunca tivesse estado ali. Não sabia o que fazer com tamalho mistério. Ao olhar seu rosto, em um grande espelho no centro da sala, percebeu que aquele que pensava ser também nunca havia existido.

Às vezes a vida apronta cada uma!



(Texto 2008)

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