segunda-feira, maio 10, 2010

Dos afetos contemporâneos


...A magnitude de tudo aquilo estava precisamente naquele rosalaranja que impregnava o horizonte depois que o sol havia ido embora...

Enquanto isso, Rafael descia e subia escadas, retirando do apartamento onde morava roupas e toalhas e lençóis e apostilas. Pareceria banal tudo isso não fossem os gemidos de Maria.

Rafael tinha feito Maria delirar em noites e tardes de sexo quente e barulhento. Eu me perguntava quantas vezes teriam eles assistido à versão pop do Kama Sutra e o quanto acreditariam no amor tântrico. Obviamente, imaginava que os meus porquês tinham lá seus ais. Independente disso, algo era certo: quanto tempo eles agüentariam aquele afeto corporal, seguido de frases adocicadas sobre o cardápio do jantar.

Era a quinta vez que fechava a porta do carro. Por duas vezes, deixou a chave cair no asfalto. Agachou, pegou a chave e, de novo, refez o caminho. Do seu rosto, impressionantemente jovem, não jorrava nada. Nem cansaço, nem chateação, nem pesar, nem coisa alguma. Era como um autômato que subia e descia e agachava e abria e fechava a porta do carro, do apartamento e do mundo.

Era assim, então?

Rafael dormia com Maria que dormia com Rafael. Um dia, uma briga, e lá se foram roupas, toalhas, lençóis, e caixas de som.

Entrou no carro, deu um pequeno ré, engatou uma primeira calma e plácida e, sem remorso, foi embora. Nem se deu ao trabalho de olhar para trás. Estava indo embora como quem deixa um supermercado ou um posto de gasolina.

Na noite densa, nem gemidos, nem música, nem nada.

Uma casa vazia, uma Maria, mais nada.


(2005)

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