sexta-feira, junho 18, 2010

Curto-circuito


Eu fervo. Tudo em mim é calor. Os abanadores não param. O ventilador de teto está ligado. O pequeno ventilador portátil também. O aparelho de ar condicionado trabalha em sua potência máxima. Nada refrigera a minha alma. Lavas escaldantes. Imploro aos Céus um refresco. Não se ouve palavra. Todas as agendas derretem. Ligações e conexões escorrem. Inspirando, expirando, inspirando, expirando. Porque a gente nunca a chega a conhecer ou tocar o que realmente importa. Frases curtas. Período simples. Lição perdida é tempo que não se recupera. Agito a bandeira e o que escuto é um insuportável silêncio de estátua. Uma sucessão de imagens parece tatuada em meu corpo branco. Não me esqueço do que gosto. Suco de laranja pela manhã. Dormir até tarde. Inúmeros copos d´água durante o dia. Sexta-feira. Suco de melancia é muito fácil de fazer. Cinema no meio da tarde. Pão. Dirigir sem destino. Feijão. Um pouco de amor. Banana ligeiramente verde não faz mal a ninguém. Livro novo. Bolacha Cream Cracker deveria ser produto proibido. Avião decolando rumo a longa viagem. Maçã nacional faz crec crec. Sigo em frente sempre olhando um pouquinho para trás. Damasco em demasia dá disenteria. Uma rima aqui. Outra acolá. As melhores ruas são as que nos levam. Olhar não custa. As cidades estão cheias de ofertas. Na Índia, é possível comprar até um rim. Afinal, quem precisa de dois? Enrola o fumo e deixa de conversa. O boi já cochilou e logo, logo, morre seco esturricado nas terras do Sul. Do outono mesmo, só distante notícia. Já o sertão, submerso. Quem sabe de mim sou eu. Chega de abraços. O homem sem perna andou a rua inteira. Equilíbrio não é questão de escolha Filho de peixe mora em aquário, lobisomem nunca descansa e, na festa que reúne várias gerações, a avó conta histórias que ninguém escuta, a mãe fala com as paredes e a filha tem o olhar paralisado na tela do computador. É o fenômeno da comunicação global. Quanta interação virtual! Delírios ocorrem todos os dias. Quase não se nota mais a diferença entre verdade e mentira. Finalmente, o mundo chega ao apogeu. Cruzes, cruzes! Um dia a casa cai e o barco vira. É possível rodar e rodar e cair ad infinitum no mesmo lugar. O processo de adaptação pode ser bem difícil para quem não é adaptável. Um plug faz melhor. Não curto o circuito. Pode esperar. Não vou voltar. Chego ao fim. Certo mesmo é que viver arde. Viver queima.


(Texto 2009)

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