quarta-feira, novembro 05, 2008

Cerrado não é lugar de peixe


Engana-se quem pensa que escreve o que quer. Os textos são independentes. Eles usam a gente para aparecer no mundo. Eu sou uma das testemunhas das artimanhas das palavras. Tão apressada não sei do quê eu estava que resolvi escrever em pensamento, antes de escrever mesmo. Tinha o começo, uma parte do meio, quando, de súbito, percebi que aquilo não iria funcionar. Bastaria eu sentar, imaginar o papel em branco em posição vertical (sim, sim, porque na era digital, os papeis ficam em frente da gente, em pé, como as telas dos artistas plásticos) e pronto: copiar ali o que eu havia imaginado no banheiro. Sim, eu estava escrevendo no banheiro, digo, eu estava escrevendo mentalmente no banheiro. Muita gente pensa no banheiro. Outros escrevem. Banheiro ou não, o fato é que tudo o que escrevi desceu pelo ralo. Cheguei aqui, sentei, olhei o papel, e nada. E eu sempre apressada não sei do quê pensei: pois é, as palavras são o que querem ser, e não o que a gente imaginou que elas seriam.

Assim seja.

Sei que o domingo já se foi. Eu? Às voltas com a pescaria de palavras. Peixe nunca pesquei direito. Um dos meus avôs tinha essa mania de pescar, mas eu mesma acho que não ganharia um tostão com isso. Primeiro porque eu tenho pena daquele troço pontiagudo na boca dos peixinhos e, segundo, porque eu acho meio enfadonho esse negócio de ficar esperando pelos peixes.

Sim, mais uma morte! Morreu o meu peixe. Ele morava com a minha mãe, pois era muito jovem para viajar por aí comigo. Morreu dias depois da morte de uma das minhas avós. Acho que ele pressentiu o clima geral e puf! Deu fim à própria vida. Digo que isso foi iniciativa dele porque não faz sentido um peixe durar tanto tempo – coisa de uns cinco anos. Se ele viveu tanto, então, poderia muito bem durar uma vida inteira. Conclusão: os peixes, ao contrário das pessoas, morrem no dia em que lhes dá na telha. Os de aquário. Os outros morrem porque tem muita gente que gosta de pescaria. Ou de poluição.

Por onde ando, o que menos tem é peixe. Cerrado não é lugar de peixe. Ou então é e eu não sei. Nunca vi um peixe por aqui, mas é bem capaz que exista. O que tem mesmo por aqui é tubarão. (E tubarão não é peixe, menina?!) Aqui chove tubarão. Num só dia, na semana passada, eu conheci três pessoas-tubarões.

Mas agora já é noite e eu tenho de ir. Não que eu tenha medo do escuro da noite, do breu da cidade. O que eu tenho medo é de outra coisa. Eu tenho medo é de não dar certo. Não dar certo o quê? Sei lá.

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